quarta-feira, setembro 27, 2006

Madalena sofria
de vaidade intermitente:
prada pra ir na padaria
ia a casamentos sem escovar o dente

Usava batom só nos dias
que passava em casa, inteiros,
vendo tv e adormecia
borrando todo o travesseiro.

domingo, setembro 17, 2006

Hospital

Para mamãe.

Gritar e gritar e gritar.
Não por fora - não-
eu não quero assustar ninguém.

Gritar
como uma vibração se debatendo pra perfurar os pulmões,
tentando sair de detrás dos ombros
por entre as omoplatas
e esguichar
em quem estiver vindo atrás,
um ruído interno de não saber muito bem
o que diabos é isso,
nem porque diabos ele está lá,

nem por que, pitombas,
esse grito
-que nem tem voz-
pode ter tanto peso.

Eu até podia
Me alçar um pouco
- não podia?-
mas talvez seja esforço demais
E às vezes me custa tanto.

A coluna endireitada,
Oh, que lindo,
O rosto impassível
Quase uma boneca

Oh, tão sorridente
Posso te contar mais uma piada?
Não é que eu faça pouco caso
Não, de forma nenhuma,
Desculpe se fui pouco educada

Oh, pobrezinha,
o rosto imóvel
Minha mais ensaiada cara de tristeza
mi-li-mé-tri-ca-men-te calculada,
cronometrada,
aprovada cientificamente
por 9 entre 10 dentistas
a dos olhos baços, até que eu levante as sobrancelhas
e o brilho volte.

É boa, esta sua revista?
Vou comer da sua comida, se não se importar.
Quer que eu passe manteiga no seu pãozinho?
Afofe seu travesseiro?
Corte o strudel para a visita?

Isso me dói,
Ah,
Isso me faz tão mal.
Não sou eu o nenê hoje
E eu nunca gostei de brincar
de boneca.

Pode deixar que eu te passo a pomada.
Você bem que podia me ajudar,
Não doendo tanto

Sei que parece bobo,
Mas você já tentou?

E se não melhorar?
Eu não sei cuidar de ninguém,
Eu mal agüento cuidar de mim

Será que você podia, por favor...?
Será que...?
Oh, eu sou terrivelmente egoísta!!
Me dê aqui esta revista
Eu preciso dela bem aberta
Na frente da minha cara
Enquanto eu olho pro teto

Eu tentei, eu juro que tentei
Mas eu me derramei
Mesmo assim

Minhas mão roçam nos olhos enquanto eu viro as páginas
Um segundo, já lhe trago outro copo d´água
E outro aceno de cabeça,
Perdão mas no momento prefiro não falar
Com esta voz meio falha

Puxa, é mesmo uma bela matéria
A respeito de New York

E lá vem outra enfermeira
Pra mudar o soro de artéria
E lá se vai de novo
Furar alguns outros alguéns.

Onde está aquela revista?
Queria olhar uns anúncios

Ou o teto.

Queria poder impedir essas lágrimas

Queria que você não tivesse visto

Queria poder parar

Mas não pára

Não pára!

Não pára!

Queria poder estancar

Esse soluço fanhoso e comovente
tão ridiculamente alto,
brotando dos meus lábios hermeticamente fechados
Tão completamente desesperado

E doloroso

Que me surpreende a minha esmagadora impossibilidade de auto controle
(ainda se tardio)

e me faz chorar cada vez mais
e mais alto
e mais alto
até que você levanta do leito

com os braços remendados de esparadrapos

e me põe no peito
e eu te molho
e eu te beijo
e eu me estanco na tua camisola

e você me nina,
o grande bebê de 1,60
até você roubar de mim
o último tremor
o último soluço
e ficar tudo bem

por que, uma vez mais,

sou eu, a boneca

em tamanho real
e com dois
-enormes-
olhos vermelhos.


oh. e eu ganhei o concurso de poesia da faculdade, com o poema Nuvem 110.
E ganhei uma menção honrosa também, pelo Temática.
Acontece que o último verso do Nuvem estava em outra página,
e eles nem se tocaram, de modo que eu ganhei o concurso com uma poesia incompleta...
tem coisa que só acontece comigo, mesmo...

quarta-feira, setembro 13, 2006

chistes do seu marcos

- Já vão vir pra cá?
- É, é que o verão em londres dura pouco.
- É. Mas eles gostam. Especialmente quando cai num domingo.

terça-feira, setembro 05, 2006

no escuro

para Rodrigo Pontes, pelo simples fato de não ser poesia.


Então é isso. Se tem uma coisa que me tira o sono é pensar que preciso dormir. Inevitável, e quem não gostaria de dizer que é irônico, apesar de não ser? È bastante lógico, na verdade. Basta se impor um negócio desses e bum! Você abriu uma trincheira enorme entre você e o que você queria. Especialmente com o sono, ou alguma outra coisa que não dependa exclusivamente do lado esquerdo do seu cérebro e a mão do lado oposto. È absurdo, ninguém pensa “vou ficar com fome agora, senão almoço tarde e não tenho apetite pra jantar na Flavinha”, o mais provável era perder o apetite completamente, almoçar às 5 e perder a boca livre da sua vida. Uma boa idéia para uma dieta. A dieta da meditação. Podia ser um sucesso. Aposto que era assim que Gandhi fazia.

De qualquer forma, aqui estou eu, a carcaça estendida sobre uma estrutura de tecido e molas, a cara afundando no travesseiro, não, nada de baba ainda, a saliva tem que durar por oito horas e nem começamos ainda. Sinceramente, eu nem sei por que ainda tento me deitar religiosamente 8 horas antes da hora que levanto. Como se horas de rolamento entre lençóis contassem como sono. Mas se eu me deitar 6 horas antes do toque do despertador vou dormir muito pouco. Ir trabalhar feito zumbi. Ficar bem, lá pela hora do almoço, forçar um café a mais, ver muita televisão e lutar com os cobertores até as duas da madrugada.

Melhor dormir de uma vez, mas esse relógio! Como eu odeio esse relógio! Eu abomino esse relógio. Não, o inferno não é nada perto desse bandidinho. Pensando bem, aposto que o diabo abriu uma camada nova no inferno onde os insones ficam tentando dormir, perpetuamente atrapalhados por um tique-taque que nunca some. Esse relógio, ele é horrível. Minha vó me deu, achando lindo. Além de torturante, é perfeitamente inútil, eu já tenho um relógio digital. Pequeno, modesto. Silencioso. Só que me aconteceu de ser daquelas pessoas que tem horror de ofender, de desperdiçar um presente, então lá está ele, na minha cabeceira, de modo que tenho dois relógios:

Um pra me acordar; outro pra não me deixar dormir.

E ele nem faz tique-taque. Tem uma batida regular, está mais pra click-click-click. E você sabe que inevitavelmente o próximo click virá. Click. Um segundo a menos de sono pra mim. Click. Outro. Click. Já deve ser uma da matina, mas não vou olhar no relógio, olhar é pior.

O grande problema de pensar que você precisa dormir é isso: pensar. É um negócio que a gente faz toda hora. E pensar funciona como um novelo de lã. Se você puxar a pontinha do fio, acabou pra você, meu irmão. Vai ter que seguir até o fim. Eu preciso dormir. Eu preciso dormir porqueseeunãodormirlogoeunão vouacordarquandooalarmetocar, nãovaidartempodetomarbanho e eu vou chegar atrasado no ponto de ônibus, pegarohoráriodepico e ser encoxadopor25pessoas de diferentes cores e etnias, chegaratrasadonoemprego. Pelomenosamanhã ochefenãovem, mastenhocertezaque aquelamongadamarta não vai querer quebrar meu galho. E por aí vai. As pessoas burras, pode reparar, elas não tem problemas de insônia. Ok, não burras, isso foi feio. As pessoas que... não pensam demais.

Pensar é mesmo um troço esquisito. Quer dizer, a gente pensa em palavras. Em linguagem. Eu pelo menos. E apostaria minha mão esquerda (tá, só o mindinho) que vocês também. Pois bem. Linguagem existe pra quê? Pra gente saber dizer as coisas pros outros, se comunicar, coisa e tal. Mas eu sou eu. Porque eu preciso traduzir as coisas que eu sinto e penso em linguagem para me dizer se eu supostamente já sei? Porque eu preciso ficar explicando as coisas pra mim mesmo? Eu ia dizer que acho isso meio ridículo, mas na verdade acho meio triste, mesmo. Meu gato, o Sardinha, ele não fica pensando “agora vou até o potinho d´água” enquanto vai, como se fosse o narrador mais inútil do mundo. Ele vai e pronto. Sem raciocínios complexos estudando se não seria melhor beber a água empoçada no meu chuveiro. Bom pra ele.

Você veja bem, a gente entra num pensamento e puxa o fio até que o novelo some. Finalmente, um nanossegundo de paz mental. Um momento ideal pra adormecer. Aquele ponto que a ninguém lembra muito bem onde é, mas é lá que fica o interruptor, e quando a gente esbarra lá, apaga a luz e vai embora, tchau, tchau sr. Zé Roberto, te vejo amanhã de manhãzinha? O outro lado do cérebro, o inconsciente - ou seria o sub?- bate o cartão e está pronto pra começar sua parte do trabalho. É assim que deveria ter sido, mas...click. click. Click. Você até pode parar de pensar um pouquinho, mas aquele relógio é implacável. Desumano.

Ele vai lá e puxa o gatilho de um novo cordão de pensamento. Maldito relógio, não me deixa dormir.click. Que vontade de atirar ele no chão. Click. E se eu tirasse as pilhas? Click. A última vez que eu fiz isso, a Marlene foi lá e colocou pilhas novas. Click. Isso é um complô. Click. Ninguém nessa cidade quer que eu durma. Click. Certo, certo, ninguém nessa casa. Click. Acho que ouvi a torneira pingando. Click. Ping. Será? Click. Ping. Não, eu devo estar imaginando. Click. Ping. E depois, se eu levantar perco todo o esforço. Click. Que legal, ficar deitado agora é esforço. Ping. Pois é, bem vindo a uma nova era. Click. Ping. Ah não. Ping. Que foi? Click. Eu comecei a falar comigo como se eu fosse dois. Click. Ping. Click. Ping. Você quer dizer, como se a gente fosse dois. Click. Não, bobo, você também é eu. Nós é eu.ping. Ah, é. Click. Dã. Burrão. Ping. Click. Você acabou de se chamar de burrão, idiota.click. ping. E você, de se chamar de idiota. Digo, me chamar.click. Preciso parar com isso. Ping. Bom, você usou a primeira pessoa do singular, já é um começo. Click. Merda. Ping. Ping. Click. Chega. Vou parar de pensar.click. ping. Ping. Ei. Click. Que é? Click. Acho que não está funcionando.

O som do relógio é tão chato, tão previsível. Se eu puder me concentrar nele, quem sabe eu não consigo cair no sono? Click. Click. Click. Da onde vem essa expressão, cair no sono? Click. Click. Click. Deve ter a ver com aquele sonho que todo mundo tem de vez em quando, aquele que a gente cai e acorda chutando o ar. Desencana do barulho do relógio. Existem coisas melhores pra se concentrar do que esse barulho horrendo. A respiração. Contar carneirinhos.

Contar carneirinhos não é, como eu já pensei, aquele exercício de imaginar os bichinhos felpudos pulando sobre a cerca, um de cada vez, como a gente aprende nas historinhas da Mônica. A verdadeira contagem de carneirinhos segue o mesmo princípio da contagem de estrelas. Precisam ser centenas, talvez milhares, todos parecidos afim de você se confundir e precisar começar de novo e de novo, tornando o trabalho infinito e cansativo. A cerquinha é só enumeração. Não que não funcione, mas se você só for listar os números em ordem crescente (uma tarefa tão infindável quanto as outras duas) dá pra dispensar a cerca, os mamíferos, o pasto inteiro.

Então, vamos de enumeração. Um, dois, três. Tá dando certo.Quatro. Cinco. Seis. Sete. Isso, não pensa em mais nada. Oito, nove. Shhhh. Dez. onze. Shhhh. DOZE. TREZE.Catorze...Isso, presta atenção nos números. Quinze. Dezesseis. Funciona bem se você tiver paciência dezessete e não prestar atenção aos pensamentos subterrâneos, dezoito, dezenove aqueles que ficam por debaixo dos principais, vinte, vinte-e-um que são os que se diz com todas as letras vinte e dois em néon no topo do cérebro.Vinte e três. Vinte e quatro. Tô com sede. Vinte e cinco. Não levanta. Vinte e seis. Não se mexe, uma hora você dorme. Vinte e sete. Vinte e oito. Números, números. Vinte e nove.Bingo! Isso cansa. Apenas pare de pensar, ok?Ok.

Não pense não pense não pense. Droga. Respirar, concentre-se na respiração. Nnf. Aaah. Nnnf. Aaah. Inspira. Expira. Inspira. Expira. Inspira. Ex...péra. “inspira-expira” conta como pensamento? Bom, depende. É palavra, né. Mas se ficar só nessas duas, acho que tudo...ah. Não importa. Eu prefiro o método da contagem mesmo. Onde eu tinha parado? Trinta. Trinta e um. É, acho que era aí. Trinta e dois. Trinta e três. Trinta e quatro. Até que tá começando a bater um soninho. Trinta e cinco, trinta e seis, trinta e sete, além disso, acho que não tem mais nada pra eu pensar agora. Trinta e oito, trinta e nove, quarenta. Nem menininhas correndo por gramados. Quarenta e um, quarenta e dois. Uma porta cor de mostarda no meio do nada. Quarenta e três. Quarenta e quatro. Uma mesa....um vaso...com gerânios...quarenta e cinco. Uma marmita. Quarenta...e seis...minha escola antiga. Mas o prédio é outro. Andar como quem anda na lua, quase...sair voando a cada passo. O nome da estação é zoológico aéreo, como indicado pela sigla...zoo-ar em letras maiúsculas na placa verde. No chão de cascalho, os trilhos...do trem. Ele vem vindo, sobre os trilhos. É um jipe de plástico azul...dirigido pelo esqueleto do he-man.

As marchas trocam sozinhas...

Fazer tirolesa nos fios elétricos atrás de um trolebus. Outro lugar...muita gente...cortando papel...Sai tudo voando.Vou atrás... é longe... tem um garoto do outro lado...Naquela rua tem treze bebedouros...eu queria tomar água...Só limonada...e então, e então... Piiiiiiiiiii, piiiiiiiiii, piiiiiiiiiiiiiiiiiiiii.Pii-cllackt. Só mais cinco minutinhos.

Click.

Click.

Click.