domingo, setembro 17, 2006

Hospital

Para mamãe.

Gritar e gritar e gritar.
Não por fora - não-
eu não quero assustar ninguém.

Gritar
como uma vibração se debatendo pra perfurar os pulmões,
tentando sair de detrás dos ombros
por entre as omoplatas
e esguichar
em quem estiver vindo atrás,
um ruído interno de não saber muito bem
o que diabos é isso,
nem porque diabos ele está lá,

nem por que, pitombas,
esse grito
-que nem tem voz-
pode ter tanto peso.

Eu até podia
Me alçar um pouco
- não podia?-
mas talvez seja esforço demais
E às vezes me custa tanto.

A coluna endireitada,
Oh, que lindo,
O rosto impassível
Quase uma boneca

Oh, tão sorridente
Posso te contar mais uma piada?
Não é que eu faça pouco caso
Não, de forma nenhuma,
Desculpe se fui pouco educada

Oh, pobrezinha,
o rosto imóvel
Minha mais ensaiada cara de tristeza
mi-li-mé-tri-ca-men-te calculada,
cronometrada,
aprovada cientificamente
por 9 entre 10 dentistas
a dos olhos baços, até que eu levante as sobrancelhas
e o brilho volte.

É boa, esta sua revista?
Vou comer da sua comida, se não se importar.
Quer que eu passe manteiga no seu pãozinho?
Afofe seu travesseiro?
Corte o strudel para a visita?

Isso me dói,
Ah,
Isso me faz tão mal.
Não sou eu o nenê hoje
E eu nunca gostei de brincar
de boneca.

Pode deixar que eu te passo a pomada.
Você bem que podia me ajudar,
Não doendo tanto

Sei que parece bobo,
Mas você já tentou?

E se não melhorar?
Eu não sei cuidar de ninguém,
Eu mal agüento cuidar de mim

Será que você podia, por favor...?
Será que...?
Oh, eu sou terrivelmente egoísta!!
Me dê aqui esta revista
Eu preciso dela bem aberta
Na frente da minha cara
Enquanto eu olho pro teto

Eu tentei, eu juro que tentei
Mas eu me derramei
Mesmo assim

Minhas mão roçam nos olhos enquanto eu viro as páginas
Um segundo, já lhe trago outro copo d´água
E outro aceno de cabeça,
Perdão mas no momento prefiro não falar
Com esta voz meio falha

Puxa, é mesmo uma bela matéria
A respeito de New York

E lá vem outra enfermeira
Pra mudar o soro de artéria
E lá se vai de novo
Furar alguns outros alguéns.

Onde está aquela revista?
Queria olhar uns anúncios

Ou o teto.

Queria poder impedir essas lágrimas

Queria que você não tivesse visto

Queria poder parar

Mas não pára

Não pára!

Não pára!

Queria poder estancar

Esse soluço fanhoso e comovente
tão ridiculamente alto,
brotando dos meus lábios hermeticamente fechados
Tão completamente desesperado

E doloroso

Que me surpreende a minha esmagadora impossibilidade de auto controle
(ainda se tardio)

e me faz chorar cada vez mais
e mais alto
e mais alto
até que você levanta do leito

com os braços remendados de esparadrapos

e me põe no peito
e eu te molho
e eu te beijo
e eu me estanco na tua camisola

e você me nina,
o grande bebê de 1,60
até você roubar de mim
o último tremor
o último soluço
e ficar tudo bem

por que, uma vez mais,

sou eu, a boneca

em tamanho real
e com dois
-enormes-
olhos vermelhos.


oh. e eu ganhei o concurso de poesia da faculdade, com o poema Nuvem 110.
E ganhei uma menção honrosa também, pelo Temática.
Acontece que o último verso do Nuvem estava em outra página,
e eles nem se tocaram, de modo que eu ganhei o concurso com uma poesia incompleta...
tem coisa que só acontece comigo, mesmo...