sábado, junho 10, 2006

Stella was a diver and she was always down

Assim, sem mais, sem convite, sem nada, as Fúrias apareceram para jantar. Tocaram a campainha e veio à porta uma Estela descabelada e de pantufas, uma Estela aturdida de um fim de tarde de domingo.

“Já lhe ocorreu” disse a primeira das Fúrias, amanteigando um pãozinho “que talvez ela seja simplesmente melhor do que você?”. Estela trazia uma bandeja com azeitonas e queijos em palitinhos, pousou-a sobre a mesa: “Mais freqüentemente do que eu gostaria”. “ O que você gostaria não vêm ao caso, pequena. E mesmo se viesse não faria diferença. Me passe o guardanapo, querida.” A segunda Fúria se servira de uma azeitona e agora partia o palito em pedacinhos. “ Ora, não seja desagradável, maninha. Estela não tem culpa de ser medíocre. E, quem sabe?, se ela se esforçar bastante pode até ser boa em alguma coisa algum dia...” E com uma minúcia irritante, transformou a pilha de palitos numa minúscula torre Eiffel.

A terceira Fúria insistia que queria um Bloody Mary, mas não havia suco de tomate na casa.
“Não prefere uma caipirinha?” “ Que desfeita! Você sabe muito bem que eu só tomo Bloody Marys!” até que a primeira Fúria interviu e com um gesto aborrecido transformou um copo d´água num Bloody Mary e o ruído arrefeceu. “O que vamos jantar?” , arriscou Fúria dois.

Tinha um frango no forno e ele estava pronto. Batatas também. Sorvete de sobremesa.
“Acha mesmo que deveria estar comendo essas coisas?”. Pantufas se arrastaram até a cozinha e Estela começou a destrinchar o frango. Manuseava a faca com tanta satisfação que pela primeira vez na morte o frango ficou feliz por não estar vivo. Alguma voz vinda da sala de jantar lhe dizia que Estela deveria ter aprendido a bordar, isso sim era coisa de menina direita e me dê outro Bloody Mary. Ou algo assim. Daí ela se lembrou, sorriu e carregou na bandeja os despojos mortais da ave com batatas, sendo recebida em sua entrada triunfante com um “parece meio seco” e um “que droga, achei que íamos comer peixe”.

Comeu silenciosa, impermeável aos “Fulana sabe fazer Cordon Bleu”s e “você chama isso de batata?”s. Então disse, como quem não quer nada: “Puxa vida, não está na hora da novela?” As três Fúrias se entreolharam aturdidas, cruzaram os talheres, agradeceram muito por tudo mas é que elas tinham que ir indo, tinham que ir indo, porque pode chover e pegaram uma sombrinha de dentro do armário de toalhas e sumiram porta afora. Estela recolheu a louça e se serviu de uma cumbuca de sorvete. Podia não saber de muita coisa, mas de uma coisa ela sabia. Fúrias são feitas da mesma matéria que as tias-avós.