cores.
“Olá, bonequinha”.Ele era gordo, suado e tinha um bigodinho fino à la anos vinte, mas os dentes eram bonitos. Bonequinha olhou pra ele, e não se deu ao trabalho de anexar nenhum afeto àquele olhar. “Faz muito tempo, não?” Ela assentiu com a cabeça e esboçou um sorriso. Precisava da grana. O homem do Bigodinho afrouxou a gravata – era uma gravata cinza e curta demais – e disparou: “Os preços não subiram, certo?” “Depende do que o senhor vai querer”. Ela não parecia mais com a moça que ele conhecera.
Bonequinha empurrou o cabelo para trás da orelha, e o guiou pelo corredor, deixando atrás de si o som espalhafatoso dos saltos no chão. Bonequinha se chamava Lígia. O do Bigodinho dizia a ela que se chamava Amilton, mas seu nome de verdade era Milton. Ele achava que tinha um grande senso de humor.
A porta do apartamentinho foi aberta: paredes amareladas, cobertas de infiltrações, cantos empoeirados, uma janela gradeada coberta por uma cortina docemente patética de veludo rosa. “Bonito, aqui”.Ele mentiu. “Bem... na moda”.
Ela foi desabotoando o casaquinho, sem fingir que acreditava, “Pois é. Saiu na Marie Claire: O sujo é o novo limpo”, e livrou Milton do paletó suado antes de erguer o vestido por sobre a cabeça.
Então sexo, é claro.
Enquanto ele resfolegava, Lígia fez o cálculo da conta. Se a profissão fosse legalizada preencheria até um recibinho. Já tinha posto calcinha e sutiã e agora escorregava para dentro do vestido. O homem observou ela contar as notas, abotoando a camisa. “ Não se ofenda com a pergunta...” hesitou “ mas... porquê faz isso?” “Isso o quê?” “Isso” “ah.”
Ela sentou na cama, para amarrar a sandália. “Diga primeiro. O que o senhor acha dos camaleões?” “o bicho?” “é”. Ela destrancou a porta e eles saíram para o saguãozinho do elevador. Ele acendeu um cigarro. “ Acho que são uns bichinhos espertos. Podem ficar da cor que quiserem, não é mesmo?” Ela abriu a porta com o número do andar, ele entrou. Ela sorriu e: “Não. Se pudessem, talvez ficassem para sempre laranjas. Ou azuis. Mas tudo que podem fazer é mudar e mudar. E ser sempre da cor que as coisas são.” Ela já tinha fechado a porta do elevador e a máquina ia descendo, quando o gordinho reparou que não se despedira e murmurou enfumaçado “Adeus, bonequinha...”
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