quarta-feira, maio 03, 2006

Bosch KSV435 (ou: da praticidade do eletrodoméstico moderno)

Talvez eu seja, eu própria, um pouco obtusa por acreditar na sensibilidade humana. Crânios são caixas-fortes praticamente invioláveis. Tudo o que vemos é um bater das persianas da alma aqui, um abrir e fechar da porta e seus dentes. O vizinho permanece um mistério.
Dênis estava deitado na cama, assistindo ao Faustão. Apático. Hepático. De toda a forma, não prestava atenção ao programa nem às garotas que, no fundo, faziam uma coreografia que parecia não corresponder àquela canção.
Respirava superficialmente. O ar lhe parecia vidro moído. Dor generalizada. Muita dor e nenhum motivo.
Ouviu sua mulher chamá-lo, do outro quarto. Suspirou. O chamado se repetiu. Eva era insistente. Irritantemente insistente.
Levantou-se lentamente, sentindo cada musculo estirar-se ou encolher-se, dirigiu-se à porta do lado.
"O que foi, Eva?" " Só um instantinho." Ela virou-se para o computador para terminar o que estivera fazendo. Esperando, de pé, ele mal se perguntava o que ela lhe diria, entrecortado por novas pontadas e o velho e mesmo "é apenas isso". Quase estilhaçado, virou os olhos ardentes para a esposa . Estavam casados há 12 anos. Ela se virou para ele com aqueles olhos de quem nasceu em abril.
sorriu.
E desengatou: " Comprei o fogão novo! Uma belezinha...de aço inox, da Bosch. 6 bocas. Tem dois fornos separados, um grande e um pequeno e vem também com uma grelha..." Ele torceu a boca no que pareceu, quase satisfatóriamente, um sorriso e ia acenando com a cabeça enquanto ela discorria sobre o aparelho.
Sim, estava muito feliz com a nova aquisição. Não era maravilhoso? Agora ele poderia acender o gás e enfiar a cabeça no forno sem se preocupar em estragar a carne assada que ela faria para o jantar.