quinta-feira, abril 20, 2006

frestas

Assim, sem mais, ouviu-se um estrondo.
O céu ficou craquelado. As pessoas correram pra suas casas, antes que o céu desabasse. Não desabou. Caiu um caquinho só.
Com cuidado, muito cuidado, pus minha cabeça pra fora da janela. Olhei pra cima. Faltava um pedacinho de esfera azul. E, deuses!, dava pra ver através da fresta. O ângulo não ajudava muito, não, só vi alguns pés. Isso, claro, antes do enorme olho castanho. Depois, uma série de olhos se revezaram, curiosos a olhar cá pra baixo.
Ao contrário dos homens, que sempre desconfiaram que havia algo além daquela redoma, os deuses nunca suspeitaram que tinham vizinhos de baixo.Peguei meu carro e viajei na direção do fragmento caído. Era enorme, e milhares de pessoas tinham tido a mesma idéia. Parecia um pedaço absurdo de porcelana azul e translúcida.
A vida, vendo que nada acontecia, obrigou-se a fingir que estava tudo normal. Com a diferença dos telescópios voltados todos para o mesmo ponto, o que, aliás, não adiantava, pois sempre havia um olho que nos impedia de ver o que havia lá em cima.
As pessoas, agora, olhavam pro céu não só pra saber se ia chover, mas também se alguém olhava e quem.Cientistas observavam a sucessão de pupilas, tentando adivinhar se era algum em especial que fazia chover. Nessas ocasiões, as nuvens eram sempre grossas demais para que se visse de que olho se tratava.
Era uma vigília constante. De cá e de lá. Fora de casa, por um tempo, o mundo tornou-se bom e generoso. Medo de um julgamento divino, talvez. Logo constatou-se que poder eles não pareciam ter. Só interesse, como se fossemos a mais incrível colônia de formigas.

E o mundo voltou ao que era, exceto pelo fato de que os chapéus voltaram à moda.