Contos da Carrocinha -Anaximandro, o Falastrão. Parte 1: Essa é a irreal.
Há muito tempo atrás, num reino muito distante e outras descrições de praxe, existiam dois irmãos. O mais velho, Anaximandro, era moreno, e não era de todo feio. Entretanto, era mau, ruim, perverso e satânico, se me perdoam a redundância.
Porém, ainda que mau, miolo não lhe faltava e assim ele escapava das mais adversas situações em que se metia, de modo que ganhou desde cedo a alcunha de Anaximandro, O Falastrão, por conta dos inflamados discursos que tecia para defender sua auto-proclamada inocência.
O caçula era o exato oposto do irmão. Todo loiro e de tez muito clara, Matatias tinha em coração o que lhe faltava na cabeça bem esculpida (todos sabemos que os caçulas são sempre loiros, belos e bondosos).
Um dia, já muitos anos após a morte do pai, Otacília, a mãe de ambos, adoeceu. Como irmão mais velho e homem da casa, era responsabilidade de Anaximandro sustentar a família até que tempos mais dadivosos chegassem. Sabendo disso, ele matou as únicas três galinhas que tinham, pegou a manteiga, o salaminho e as exatas 37 ervilhas, que era tudo o que havia na dispensa. Reuniu, ainda, todas as côdeas de pão que pôde enfiar em seu farnel e, deixando um bilhete na mesa da cozinha, saiu em busca de seu destino, abandonando a mãe doente e o menino sem comida e à própria sorte.
No caminho para fora da aldeia, assaltou a casa da velha Ismênia, que dormia, levando consigo alguns bens para vender (dois relógios cuco, uma cabra doente, e três vasos de cerâmica), uma enxada para amarrar sua trouxa e, todas as calcinhas da anciã para sacanear, mesmo. À noite, embebeu-as em gasolina para acender uma fogueira. "Nenhum mal é desnecessário", cantarolou Anaximandro enquanto, para acompanhar o pão, assava dois coelhinhos da floresta. Não se deu ao trabalho de matá-los antes de os pendurar sobre o fogo.
Dias depois, já bem longe dali, Anaximandro encontrou-se sem dinheiro e sem provisões. Postou-se então à beira da estrada esperando por uma vítima. O primeiro homem a atravessar seu caminho foi um velho muito barbudo e encarquilhado, apesar dos olhos grandes e vivos. Chamava-se Gilbran e era um mago conhecido por sua astúcia e pela magia poderosa de seu cajado.
O velho, vendo-o, disse a ele:
-Dou-lhe uma moeda se adivinhardes meu pensamento.
-Está pensando em me enganar.
Gilbran jogou-lhe uma moeda
-Tente novamente.
-Está pensando em me atacar com este cajado.
O velho, safado mas honrado, deu o braço a torcer e atirou a segunda peça de ouro.
-Ainda tenho mais uma moeda, meu jovem. Que penso eu desta feita?
- Pensas que desta vez há de me enganar com certeza.
Gilbran arremessou a moeda derradeira, e fez uma mesura, como se pedisse desculpas por sua canalhisse, mas já puxando pelas costas o cajado, que teria certamente usado para transformar Anaximandro em sabe deus o quê, se este não já estivesse planejando tomar o cajado do velho muito antes. Bem mais jovem e ágil que Gilbran, tomou-lhe o artefato das mãos senis, e num giro rápito bateu-o na cabeça do ancião.
O efeito foi imediato, mas muito diverso do esperado. O mago transformou-se num pequeno objeto, metálico, vermelho e cilíndrico. Lia-se na lateral em letras muito caprichadas e brancas: "Coca-cola".
Pouco familiarizado com o objeto, Anaximandro demorou um pouco até conseguir abri-lo, e mais ainda até tomar coragem para bebê-lo. Quando finalmente o fez, só pôde descrever o velho Gilbran como uma boa vibração líquida. Very refreshing, indeed.
Fortalecido, resolveu testar o cajado. Após transformar uma árvore em um pote de requeijão, uma pedra em um DVD de Jornada nas Estrelas e um figurante incauto em uma das calcinhas queimadas da Dona Ismênia, ele chegou à conclusão de que não tinha o menor controle sobre o objeto.
Ainda assim, levou-o consigo, pendurando nele sua trouxa, em lugar da velha enxada. Sabia que lhe seria útil em caso de emergência. Nunca se sabe quando precisaremos transformar um soldado em geléia de morango. Mesmo não tendo certeza de que ele viraria geléia e não um leão faminto. Mas qualquer coisa é melhor do que um soldado da guarda imperial.
De qualquer modo, torcia para encontrar mais magos no futuro. A bebida o deixara fascinado e o pusera em mais uma busca, outra senão a de fama e poder. A sensação que ele buscaria para sempre. Sempre Coca-cola.
Porém, ainda que mau, miolo não lhe faltava e assim ele escapava das mais adversas situações em que se metia, de modo que ganhou desde cedo a alcunha de Anaximandro, O Falastrão, por conta dos inflamados discursos que tecia para defender sua auto-proclamada inocência.
O caçula era o exato oposto do irmão. Todo loiro e de tez muito clara, Matatias tinha em coração o que lhe faltava na cabeça bem esculpida (todos sabemos que os caçulas são sempre loiros, belos e bondosos).
Um dia, já muitos anos após a morte do pai, Otacília, a mãe de ambos, adoeceu. Como irmão mais velho e homem da casa, era responsabilidade de Anaximandro sustentar a família até que tempos mais dadivosos chegassem. Sabendo disso, ele matou as únicas três galinhas que tinham, pegou a manteiga, o salaminho e as exatas 37 ervilhas, que era tudo o que havia na dispensa. Reuniu, ainda, todas as côdeas de pão que pôde enfiar em seu farnel e, deixando um bilhete na mesa da cozinha, saiu em busca de seu destino, abandonando a mãe doente e o menino sem comida e à própria sorte.
No caminho para fora da aldeia, assaltou a casa da velha Ismênia, que dormia, levando consigo alguns bens para vender (dois relógios cuco, uma cabra doente, e três vasos de cerâmica), uma enxada para amarrar sua trouxa e, todas as calcinhas da anciã para sacanear, mesmo. À noite, embebeu-as em gasolina para acender uma fogueira. "Nenhum mal é desnecessário", cantarolou Anaximandro enquanto, para acompanhar o pão, assava dois coelhinhos da floresta. Não se deu ao trabalho de matá-los antes de os pendurar sobre o fogo.
Dias depois, já bem longe dali, Anaximandro encontrou-se sem dinheiro e sem provisões. Postou-se então à beira da estrada esperando por uma vítima. O primeiro homem a atravessar seu caminho foi um velho muito barbudo e encarquilhado, apesar dos olhos grandes e vivos. Chamava-se Gilbran e era um mago conhecido por sua astúcia e pela magia poderosa de seu cajado.
O velho, vendo-o, disse a ele:
-Dou-lhe uma moeda se adivinhardes meu pensamento.
-Está pensando em me enganar.
Gilbran jogou-lhe uma moeda
-Tente novamente.
-Está pensando em me atacar com este cajado.
O velho, safado mas honrado, deu o braço a torcer e atirou a segunda peça de ouro.
-Ainda tenho mais uma moeda, meu jovem. Que penso eu desta feita?
- Pensas que desta vez há de me enganar com certeza.
Gilbran arremessou a moeda derradeira, e fez uma mesura, como se pedisse desculpas por sua canalhisse, mas já puxando pelas costas o cajado, que teria certamente usado para transformar Anaximandro em sabe deus o quê, se este não já estivesse planejando tomar o cajado do velho muito antes. Bem mais jovem e ágil que Gilbran, tomou-lhe o artefato das mãos senis, e num giro rápito bateu-o na cabeça do ancião.
O efeito foi imediato, mas muito diverso do esperado. O mago transformou-se num pequeno objeto, metálico, vermelho e cilíndrico. Lia-se na lateral em letras muito caprichadas e brancas: "Coca-cola".
Pouco familiarizado com o objeto, Anaximandro demorou um pouco até conseguir abri-lo, e mais ainda até tomar coragem para bebê-lo. Quando finalmente o fez, só pôde descrever o velho Gilbran como uma boa vibração líquida. Very refreshing, indeed.
Fortalecido, resolveu testar o cajado. Após transformar uma árvore em um pote de requeijão, uma pedra em um DVD de Jornada nas Estrelas e um figurante incauto em uma das calcinhas queimadas da Dona Ismênia, ele chegou à conclusão de que não tinha o menor controle sobre o objeto.
Ainda assim, levou-o consigo, pendurando nele sua trouxa, em lugar da velha enxada. Sabia que lhe seria útil em caso de emergência. Nunca se sabe quando precisaremos transformar um soldado em geléia de morango. Mesmo não tendo certeza de que ele viraria geléia e não um leão faminto. Mas qualquer coisa é melhor do que um soldado da guarda imperial.
De qualquer modo, torcia para encontrar mais magos no futuro. A bebida o deixara fascinado e o pusera em mais uma busca, outra senão a de fama e poder. A sensação que ele buscaria para sempre. Sempre Coca-cola.
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