quarta-feira, março 29, 2006

prefiro o barulho do mar

Minha mulher disse "Jorge... fica". Eu não disse nada, só lhe dei um beijo na testa. E então um na boca. Daí me afastei pra empurrar a balsinha.Entrei n´água até os joelhos antes de subir na embarcação, e daí sentei com as pernas no mar, olhando pra areia. Não sei se ela podia ver o mar, por causa da própria água que enchia seus olhos.
Há dois dias flutuo no deserto de água e sal. Como a bolacha. Rio só. Sou tudo que existe entre o azul de cima e o azul de baixo. O sol nasce, e tudo brilha. Quando anoitece, cada estrela é duas.
Sou um homem magro e salgado. O mar e o céu brigam, um quer me cuspir pra baixo, o outro quer me cuspir pra cima. Permaneço, enquanto a queda de braço durar.
Há cinco dias ondulo. Como peixe cru e bebo água de chuva. O mar é minha cadeira de balanço. Vi um barco antiontem. Pensaram que eu fosse um náufrago, e depois, um maluco.
Oito dias n´água. Acordo com respingos salgados no rosto. Salgadas como as lágrimas de Sofia. Talvez sejam as lágrimas de Sofia. Talvez ela ainda esteja chorando. Talvez eu não tenha partido. Talvez eu esteja na praia, ainda. Mas sinto o marulhar abaixo de mim e sei que não é verdade.
Décimo dia, minha jangada não tem remos, nem motor, nem leme. Ainda assim, segue exatamente para onde quero ir. Para o coração azul do mundo. Para a extensão quase infinita e inexplorada, porque os homens estão todos muito ocupados. Os homens de pés no chão e o vento em suas cabeças. Homens sem amor, bonecos de areia. Mas eu, eu não. Por que ser Jorge é ser coisa molhada. Porque minha verdade é fluida e minha alma é bruma.
Porque meu coração, quando bate, espuma.

domingo, março 26, 2006

estrelas decadentes

as pessoas perseguem sonhos
como crianças correm atrás de bolhas de sabão
porque é divertido
não me importo se alcanço ou não

as pessoas perseguem sonhos
como um cão atrás de um carro
não por que o quero realmente
só estou tirando um sarro

as pessoas perseguem sonhos
como um cão acompanha o dono
porque estes sonhos, quando alcanço
me ninam em noites sem sono

as pessoas perseguem sonhos
como um gato persegue um rato
porque quando eu alcanço um sonho
eu mato.

sexta-feira, março 24, 2006

Anaximandro, o Falastrão parte 2: just do it.

Passaram-se alguns anos. Um ou dois apenas, durante os quais Anaximandro vagou por diversos reinos e protagonizou incontáveis aventuras. Não caberão aqui todas elas, mas podemos citar algumas das menos usuais.

No reino dos gigantes, passou-se por gigante anão, entrando para uma trupe de circo. Um dia, ao apresentarem-se na mansão de um nobre, escondeu-se debaixo da mesa do banquete. Depois de terminadas as festividades, fugiu levando toda a prataria, que era de ouro, cada faca do tamanho de uma espada.

Tentou passar-se por anão gigante no reino dos anões, porém foi desmascarado pela escassez de barba e a falta de chifres em seu capacete. Para evitar seu linchamento, o herói teve de desfazer-se de sua pequena fortuna em talheres gigantes, dinheiro e muitos outros bens, cruzando a fronteira apenas com a roupa do próprio corpo e o cajado, que por ser de madeira não despertara a cobiça dos pequeninos.

Chegou ao cúmulo de trabalhar honestamente por um ou dois meses, antes de fugir levando consigo todo o conteúdo dos cofres e da caixa registradora. No principado dos Triclopes, fingiu-se de bardo caolho, usando um tapa-olho na testa. Utilizando-se de suas habilidades na conversa, logo caiu nas graças do grão-vizir e passou a freqüentar a corte. Por 3 semanas foi tratado a pão-de-ló e aprendeu a se misturar à fidalguia.

No 21º dia, ao enxugar o suor da testa após um jogo de pólo, constataram que o bardo nunca tivera um terceiro olho.O alarme foi dado, mas Anaximandro saiu em carreira desabalada com o alazão. Os triclopes, é claro, possuem visão aguçadíssima, e foram difíceis de despistar. A fuga durou 3 dias, terminando com Anaximandro cansado porém ileso, tendo deixado atrás de si toda a cavalaria do grão-vizir, agora sob a forma de potes de palmito e cabelos avulsos de playmobil.

Atente, caro leitor, como Anaximandro sempre se sai intacto das mais terríveis agruras. Parece ter recebido um beijo dos deuses. Pergunte aos deuses, porém, e eles lhe jurarão que jamais poriam os lábios em criatura tão asquerosa. O demônio, à mesma pergunta, responde, corado, que são apenas bons amigos.

Seja como for, neste momento encontramos Anaximandro com aparência esplêndida, roupas de nobre e um belo cavalo, além do suor de 3 dias (o cheiro forte, assim como o sangue azul, era considerado um sinal de nobreza). Seguia tranqüilo, devorando um saco de baconzitos que antigamente respondia pelo nome de Heitor, o Sagaz. Foi quando ouviu o som de choro feminino.

Na beira do precipício encontrou uma mui adornada carruagem, de onde emanavam os lamentos.Dentro dela encontrava-se uma esplendorosa donzela, cuja aparência arrebatou Anaximandro de imediato. E não somente por ter o mesmo número de olhos e membros nem por ter a mesma estatura do que ele. Ela era, de fato, um belo espécime humano.Utilizando-se de toda a sua recém adquirida fidalguia, o mancebo disse:

- Saudações, ó virtuosíssima donzela. Qual desafortunado malogro faz correr tão formosas lágrimas?

- Ah, meu nobre senhor...é tão penosa a minha sina! Todo ano, neste reino, escolhe-se a mais bela virgem para que seja sacrificada ao dragão. Assim evitamos que o monstro incendeie nossas casas e arruíne as colheitas. Este ano, o tributo a ser pago sou eu.

- Mas é escabroso! Porque não foge?

- Não posso. Se irarmos a criatura, morrerei da mesma forma, por fogo ou por fome.

- Talvez eu possa enfrentar tal infame monstruosidade. Veja, possuo um bastão mágico - e, com um gesto, transformou uma árvore próxima em um panda – e você pode fugir com a carruagem enquanto o faço, cara princesa.

- Oh, meu senhor! Sou apenas uma pobre camponesa. Obrigado, mas o dragão é deveras veloz e rapidamente me alcançará. Não há remédio para mim.

- Mas espere! Ele interessa-se somente por virgens, não?

E dito isso, o estimado leitor pode imaginar que rumo tomou o resto do plano. Anaximandro atrelou seu cavalo à carruagem, e entrou nela. Divertiu-se com a moça de forma bastante proveitosa, mas com um sórdido detalhe: utilizou-se do buraco mais atrás. A inocente donzela, que nada sabia sobre estas coisas (não era costume naquele reino que as mães contassem às filhas a história da espada e da bainha), acreditou que tudo se passara segundo o plano.

Ouviram um ruído vindo do desfiladeiro, e a moça espiou pela janela do veículo. O monstro vinha buscar seu tributo. Anaximandro aproveitou para empurrá-la janela afora, tomou as rédeas dos animais e fê-los correr o máximo que podia na base do chicote.

A pobre camponesa, aflita, tentou correr, mas estava seminua e de salto-alto. Desejou com todas as forças que os tênis de corrida existissem. Viu o grande lagarto emergir das profundezas. Viu-o devorar o panda (que era mais virgem que a moça, que é como os pandas geralmente preferem permanecer). Viu suas amídalas. Depois não viu mais nada.

segunda-feira, março 20, 2006

mais espertices (e maldadezinhas)

Toda essa história da igreja ser contra anti contraceptivos deu no que deu. Todo mundo é filho de Deus.

***

Para Murphy, se algo pode dar errado dará. Carinha de sorte. Comigo só dá errado o que não podia.

***
Faquires também têm fetiches. Geralmente, por salto agulha.

***

Nunca dê bolas para um puxa-saco.

domingo, março 19, 2006

despedidas

ME DEIXA SOZINHA
me deixa sozinha, vá?
que já tô cum raiva de você aqui comigo
ah, vá catar batatas!
pentear coquinhos!
plantar macacos!
xô!
quer saber? me dá um chute no estômago
de uma vez
mas
vê se não me fala nada
e não me encoste a mão
não chegue aqui pertinho
não tente me ajudar
Pode guardar
esse seu lencinho
bordado pelas freirinhas cegas
do mississipi-missouri

Vamos lá, bata a porta.
Mas
não venha me perguntar
se preciso de alguma coisa
especialmente
se for um copo de aguinha com açúcar.
e não venha me dizer que não tem importância
e PELAMORDEDEUS
não me olhe com esses olhinhos molhados

Quero ver é você me atirar um sapato
Quero ver é você desviar
um último olhar atravessado

que eu só quero te ver pelas costas
antes de enxugar as bochechas
com as costas da mão

sexta-feira, março 17, 2006

bile the kid

E fez-se o dia seguinte. Não como se pensa geralmente, na virada da noite, mas em plena 11 e meia da manhã. (Por que os dias se fazem quando acordamos.) E era outro dia, após 4 horas de sono intranquilo.

E era de fato um dia seguinte, nada mais que um dia seguinte. Por que o dia seguinte, na verdade, não é um dia. É só uma continuação, uma consequencia de um dia de verdade. E assim foi.

Levantou-se para ver se mais alguém estava acordado naquela casa que não era sua. Fez xixi. Passeou na sala. Avaliou os estragos. A boca com a consistência inconfundível de pós-bebedeira. Tentou ler um livro que trazia na mochila. Dava enjôo, letrinhas demais. Resolveu beber um copo d´água, e daí foi inevitável.

A salivação anormal delatou o segundo exato de sair correndo. No banheiro, ficou maravilhada ao descobrir que tinha o que por pra fora. Não se lembrava daquela meia esfiha comida há apenas 4 horas. Tanto faz. Melhor que bile. "Um poema escrito em bile". É o nome de um capítulo de um livro. Acabou de emprestar pra dona da casa.

Sentou em cama alheia e esperou a náusea passar. Mas a náusea pode ser uma entidade deveras insistente. Encontrou outro livro. Menos letrinhas, figuras grandes. A amiga e o namorado acordaram. Empurrou um café da manhã goela abaixo. o estomago o empurrou goela acima. E afora, mas até lá já tinha chegado ao banheiro.

Ia se virando do avesso, e, nos intervalos lia O Pequeno Principe. Um Poema Escrito em Bile. Daria um belo conto. Poético e bizarro. Talvez não seja este.
a vida é um bocado confusa.
mais ou menos como estar parado na frente de uma porta com um imenso molho de chaves.
só que não tem fechadura.

quinta-feira, março 16, 2006

da falibilidade dos nomes

não tem peixes na piscina
nem só água no aquário
é impressão minha
ou devia ser o contrário?

quarta-feira, março 15, 2006

dark side

todo escritor
tem pensamentos obscuros
a massa cinzenta é preta
de nanquim
daí pros pensamentos
passarem pro papel
é simples
assim

domingo, março 12, 2006

apocaliptico

uma passeata de crianças atravessando as ruas.
se comportando.
um musical de bailarinas de muletas rodopiando.
gargantas largas de vozes entrecortadas
um pirata dono de 30 gargantas cortadas
em seu navio, ratos de porão descascam batatas.
uma caixinha de música quebrada
ainda assobiando :
"it will come back, it will come back to me again"
três trasgos cegos entretendo tigres tristes
e ninguém comeu o trigo que estava no trilho do trem.
ainda bem.
(que perigo!)
uma velha relembrando o dia em que apareceu num artigo
ela e mais oito caladas no abrigo
o jornal, hoje em dia, apagado de antigo
"está difícil de ler, mas de óculos consigo".
Só que as vozes vão sumindo também
ao longe, um sino sopra um último blén-blén.
noventa e nove novas divas atiradas a um vulcão ativo
vazando para o vasto borbulhante vermelho vivo
e não saberemos, nunca, o motivo
pelo qual não atiraram a número cem
que desceu do vulcão
cantando, a pleno pulmão:
"it will come back, it will come back to me again"

sexta-feira, março 10, 2006

nessas de auto-destruição

maldito bigodudo
ele se recusou a me estragar
do jeito que eu queria

maldito bigodudo
porque quando
me canso de tudo
eu só quero não ser eu
esse eu cabeludo

maldito bigodudo
que me tirou o motivo
de futuros arrependimentos
e de dar ao meu cabelo
uma longa
fase de crescimento

maldito bigodudo!
deixei que me estragasse
a seu proprio gosto:
ele usava bigodão, blusa laranja e suspensórios
alguém assim causaria, certamente,
alguns estragos provisórios

Mas o maldito bigodudo
e sua tesoura maldita
não me causou
UM estrago
e me fez bonita

quarta-feira, março 08, 2006

claudinhazinha e as mulheres da vida.

Para facilitar o trabalho daqueles que um dia escreverão minha biografia não autorizada, presenteio a todos com esta pequena memória da minha infância.

Eu devia ter lá pelos meus 6 anos, talvez 7. Não me lembro muito bem de onde estavamos vindo, mas o fato é que chegávamos em casa de alguma viagem, eu, papai, mamãe, e meu irmão.
Por alguma razão obscura, daquelas que apenas as tecelãs de fios de conversas conhecem, o assunto havia rumado para mulheres da vida.

Parenteses-ão
Meu pai sempre teve conversas peculiares. Peculiarmente precoces, digamos. Acho que ele já falava de doenças venéreas conosco desde que eu tinha 5 anos, sem falar dos avisos de não entre com caras no banheiro do clube, entre muitas outras coisas que eu só fui entender beeem depois.
Mas, nesse dia, acho que a conversa progrediu a partir da boa e velha piada onde os espermatozóides gritavam "pára, pára que é masturbação". Só que na época ele contava como "Pára, pára que é travesti!". Aparentemente travestis são bem mais aceitáveis (talvez até recomendáveis?) em piadas pra crianças abaixo de 10 anos.
fim do parenteses-ão


Bom, de qualquer forma, euzinha nunca tinha ouvido falar nas tais moças da vida. Ou, se tinha, nunca havia prestado muita atenção. De modo que tive que perguntar. Segue a conversa mais ou menos como se deu:

- Pai?
- Oi?
- O que é uma mulher da vida?
-... ahn...ah, filha...é uma prostituta...
- Que que é uma prostituta?
- É, bem, é uma puta, entende?
- Não.
- São moças muito pobrezinhas... elas não tem emprego, por isso, pra viver, elas vendem o corpo.
- E elas ficam só com a cabeça?

terça-feira, março 07, 2006

espertices (e maldadezinhas)

Para o otimista, o copo está meio cheio.
Para o prático, o copo está completamente cheio desta discussão.


Tudo que é bom dura pouco.
É por isso que "Malhação" continua no ar.


Nunca diga Nunca.
Use sempre Jamais.

nuvem 110

ás vezes a gente deixa a mente passear onde ela quiser.
daí ela nos sussura, como bolhas que emergem d´água, as verdades escondidas na malha da vida.
foi assim que eu descobri

que o mundo é só uma pérola grande
que as estradas também deixam marcas nos pneus
que o futuro é feito de um tecido macio
que o sangue não é a forma líquida da dor
que que o espaço entre as coisas se mede em cachos de uva
que a tartaruga é só o brinde que vem no casco
barata e quebrável como todo covarde
que a música independe de sons
que o vidro não quebra, ele se multiplica
que o trabalho enobrece a cama
pelo menos comigo foi assim
que uma injúria despretensa vale mais que certos elogios
que a fuligem purifica
que as amoreiras tem voz
mas as orquídeas não
que alguns chocolates vêm com pedaços de silêncio
e que eu
eu sou apenas um fiapo de lã azul.

sábado, março 04, 2006

reset

tchau,
que eu vou.
indo estou:
de mala e cuia.
Aleluia, aleluia!
um poquito de paz
um pouco de rest in peace
um pouco de savoir faire
é tudo que eu sempre quis
é tudo que a gente quer
talvez até
um pouco
mais.

quinta-feira, março 02, 2006

Manifesto da Gorda Maltrapilha

A Gorda está cansada de que lhe ofereçam apenas horríveis roupas de gorda. A Gorda está ávida por vestimentas elegantes e encantadoras.
A Gorda Declara ter horror às batas gigantes, às calças de crepe, vestidos balão, tecidos elásticos com bordados de canutilhos e demais lonas de circo.
Sim, a Gorda está indignada e sua gorda voz há de reverberar ensurdecedoramente (pois lembrem-se meus caros, qual a silhueta das cantoras de ópera).
A Gorda protesta contra as roupas graciosas, porém inexistentes em tamanhos superiores ao 42. Como se ela, uma vez que inflada feito uma bóia, fosse obrigada a flutuar à margem da moda.
A Gorda se enraivece por caber, com esforço, em tamahos menores que o seu apenas para acabar parecendo-se com um panetone, uma pêra, uma abóbora ou qualquer outro petisco muito saboroso mas de estética duvidosa.
A Gorda execra e rejeita crepes e jeans com excesso de lycra. A gorda exige veludo cotelê, cetins, sarjas e tafetás. A Gorda exige lindos vestidinhos (ou que pelo menos não sejam vestidões) de chita, e saias que não lhe toquem os dedos dos pés. Mas não exige barriga de fora, por que a Gorda é honrada e possui senso de ridículo.

Por Fim! A Gorda se recusa a comprar em horripilantes galpões de tamanhos grandes. E se suas exigências forem ignoradas, a Gorda avisa que seu refém, este quindim, jamais há de voltar a ver a luz do dia.
A Gorda conclui, especificando que todo o material listado deve ser entregue em mãos em, no máximo, uma semana.
Caso contrário o refém se estraga, e ela terá que consolar-se comendo pudim.

quarta-feira, março 01, 2006

estatística

devia ser fácil, tão mais fácil contar mentiras.
afinal, de todas
as infinitas possibilidades
do que podia ter acontecido
por que seria mais plausível
aquele único e ínfimo
milésimo de improbabilidade
que, por mero acaso,
aconteceu?